sábado, 14 de janeiro de 2012

O dia a seguir...

Pois bem, cá estou eu. Com uma nova cicatriz no meu corpo, mas daquelas que se tem de proteger do sol e que "fazem frio" três vezes ao dia. Nada de especial, portanto. Não há nada como sermos confrontados com a nossa condição humana para que tenhamos noção das nossas prioridades na vida: o amor, a família e os amigos.  Nada mais conta. Vermos que somos um corpo, um conjunto de sistemas que quando algum falha,  tudo se desmancha. Não passamos de obras imperfeitas cheias de fragilidades e fraquezas e fluídos e odores e medos. Vermo-nos pequenos e indefesos perante equipas de especialistas, à mercê do que o nosso organismo dita, sem sabermos muito bem o que sentir nem o que pensar. Aguardar. Confiar nos médicos e engolir em seco com as arrastedeiras, o dreno, as tiradas de sangue, os cateteres, as imperfeições do nosso corpo... 

Sempre me custou lidar com os defeitos do meus corpo. Sempre achei que a minha mente tudo pode. Sempre acreditei que supero tudo. E ainda acredito, mas ser confrontada com a fragilidade do meu corpo só me faz quere-lo ainda mais. Querer cuidá-lo e dar-lhe a importância que dou à minha mente. E saber que, por muito que me espante, não durarei para sempre. Porque ninguém dura. Neste nosso mundo os dias passam um a um para todos. E são os dias que contam. O que fazemos com eles e neles. 

E o que eu vi na unidade de cirurgia maxilo facial nestes três dias de internamento, minha gente, como sou abençoada. Perdemos tanto tempo com coisas que não interessam ao menino Jesus! Andamos tão distraídos, tão incomodados e apreensivos com pormenores... E zangamo-nos, discutimos, irritamo-nos, deixamos passar o tempo, a única coisa preciosa que temos, como se tivéssemos toda uma eternidade para sermos o que verdadeiramente queremos ser. Que desperdício.

E que coragem existe naquele espaço. Que pessoas corajosas lá habitam: as equipas de médicos, enfermeiros e auxiliares; e os, doentes. Que lutadores conheci nestes três dias. É como se tivesse estado num limbo, fora de toda a dimensão social, num local onde os frágeis se unem para superar os medos. Onde se ajudam se ouvem se compreendem, sem crise... Confesso que tinha alguma desconfiança em relação ao pessoal da área da saúde, mas depois disto só posso dizer que era incapaz de fazer o que eles fazem: o que for preciso para salvar vidas. E é isso que se pretende de um serviço nacional de saúde. Podem ocorrer erros e injustiças (sei que acontecem!), mas verifiquei que as prioridades que estabelecem são sempre no intuito de ajudar quem mais precisa. E admiro-os muito por isso. 

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